E os indigentes
E hoje eu vinha voltando da farmácia às 10 da noite (pra comprar uma neosaldina, claro) e um mendigo que estava na frente do meu prédio me pediu um lençol velho. Aí eu subi, peguei um edredom gasto e feio, peguei também um pão com manteiga, desci e dei pra ele, e pensei em dar junto também uma banana, mas aí podia ser demais e ele podia me achar tão caridosa que começaria a bater ponto todo dia aqui no prédio (pra vocês verem o poder que tem uma banana). E voltei a pensar sobre a velha questão de por que não dou esmolas, por que dar, por que não dar... Ajuda passageira e inútil? Ou tentar diminuir o sofrimento momentâneo alheio? Ou, finalmente, a horrorosa ideia de que a seleção natural existe pra fazer essas pessoas morrerem? Eu poderia discorrer sobre essa última ideia mas tenho medo de ser apedrejada; além do quê, tenho vergonha de pensar isso; e, não obstante, é só me aparecer um mendigo chorando desesperadamente que minha angústia desperta e acusa que essa ideia, embora aparentemente lógica, não pode ser verdadeira.
3 Comments:
Isso é complicado. Meu pai sempre me disse pra nunca dar esmola e sim dar algo que possa ser útil pra pessoa, como você fez. Quer comida? Ok, te pago um lanche. Está com frio? Vou pegar um casaco. Não sei se é o certo, mas sempre achei melhor do que dar dinheiro e depois ver (como já aconteceu mais de uma vez) a pessoa usar pra algo totalmente dissociado do que ela tinha dito. Mas por outro lado, quem sou eu pra saber das necessidades das pessoas mais do que elas mesmas?
E sobre a seleção natural...É, as vezes parece, sei lá, lógico, que as pessoas "menos aptas" fiquem pra trás, com certeza. Mas ao mesmo tempo eu acho que talvez uma das grandes funções das pessoas "mais aptas" (ou que tiveram mais chances pra se adaptar) seja exatamente tornar o mundo um lugar mais seguro pras pessoas menos aptas. Ou isso ou eu estou trabalhando demais com responsabilidade social aqui no escritório...
By Unknown, at quinta-feira, setembro 17, 2009
Olha, vendo a coisa do lado científico, a sua idéia chocante certamente não é verdadeira. A seleção natural é de espécies, não de indivíduos - e a maneira que um mendigo sobrevive é uma prova de sucesso e não de fracasso diante da seleção natural. Seres humanos sobrevivem, crescem, se reproduzem, nas mais diversas condições. É uma história de sucesso, temos quase sete bilhões de provas vivas disso.
Mas não vem da ciência esse incômodo, tenho certeza.
Vem de um misto de culpa e impotência. O mendigo tem uma vida absolutamente indigna, sem o mínimo de direitos que um ser humano deveria ter - não deveria ser algo que devesse existir. Por outro lado, é alguém que sobrevive de extorquir a nossa culpa, e essa relação é inapelavelmente perversa.
Por um lado, é inútil dar a esmola - por que o ato de dar o dinheiro, pão, cobertores ou banana não retira da situação a sua perversidade. Mas não dar nada não deixa de ser de um inqualificável egoísmo - afinal, não deixa de ser uma pessoa, UMA PESSOA, pedindo ajuda, que não significa nenhum sacrificio para a nossa opulência, e estamos recusando, nem que seja para desviar da visão desagradável que ele representa.
Por outro lado, ao supostamente ajudá-los não estamos apenas pagando tributo à nossa própria culpa? E se dar dinheiro não adianta nada, e outras alternativas não são fáceis de executar, ao menos individualmente... Afinal, o que realmente poderia ajudá-los?
Diante do dilema, uma postura é simplesmente negar a humanidade a esses seres. Querer que morressem, ao menos de maneira não dolorosa, para não afetar a nossa relação estético-afetiva com nossas queridas cidades. Perambulam tão abaixo de nós, não sabem o que é arte, ou o que é boa comida, talvez nem humanos sejam mais. Esteticamente faz sentido, mas éticamente é algo assustadoramente perverso de se pensar.
A outra opção é querer ajudá-los desprendidamente - o que gera uma incômoda idealização, como se entre eles, os mendigos, não houvesse ressentimento, trapaça, raiva. Como se a carência absoluta de recursos tornasse alguém um puro receptáculo de bondade, e não um ser humano. E paira a suspeita de toda essa bondade não passe de uma fina maneira de demonstrar superioridade, de satisfazer o ego. Auto-engano, no fim das contas.
Entre esses dois caminhos, a maioria apenas vira o rosto. O que não deixa de ser o que resta a fazer, mas não deixa de ser uma pequena monstruosidade.
O problema dos mendigos, ou melhor, o problemas que nós temos com os mendigos é que nada, NADA do que podemos fazer nos pode tirar a incerteza, a indefinição se aquilo é certo, se ao menos é útil, ou se apenas inventamos justificativas para o egoísmo de nossa indiferença. Duvidamos da humanidade deles, e, como num espelho, duvidamos da nossa humanidade. Ou percebemos que nós - eu, você, os mendigos - somos humanos demais - o que não deixa de ser uma maldição.
By Edson, at sexta-feira, outubro 09, 2009
aí, edson. sem palavras.
By Sheila, at sexta-feira, outubro 09, 2009
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