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29.6.06

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15.6.06

Convite

A Editora Tracks e a autora convidam para o lançamento do livro "Garotas, cruzem as pernas e ajeitam a franja", coletânea de contos de Sheila Louzada, a realizar-se na Fundição Progresso, dia 24 de junho de 2006, às 16h. Entrada Franca.

6.6.06

Cena 13 – [ Em que se dá um encontro, e em que esta história tem um fim ]

E foi então que ela voltou pra casa. Sem tristeza, sem estranheza, sem novidades. Passo após passo, como um dia comum. A cabeça recostada na janela do ônibus, os olhos observando ao redor sem muito interesse. O acolhimento do quarto reconfortando-a em sua familiaridade.

Era então um dia de Sol mais ameno, comum em todos os sentidos. O ar respirava tranqüilamente, sem sons histéricos evadindo pelos fios dos postes ao longo das ruas. Quando ela o viu, provavelmente não estava fazendo nada. Tinha talvez deixado a mochila sobre a cama, e aproximara-se da janela à toa, e aí reparou em algo fora do lugar lá fora. Ela viu, nessa hora, que tinha um menino descansando sobre a árvore do quintal. O menino estava parado, as pernas pendendo, balançando aleatoriamente, de costas para quem o visse de dentro da casa. Ele tinha cabelos ruivos e uns onze anos de idade. De longe, parecia apenas um irmão mais novo da família brincando de casa da árvore. “Céus...”, ela murmurou de si pra si.

Mariana desceu e foi até ele. “Leo!”, vinha gritando de lá de dentro, e acenando pra ele. O menino recebeu os acenos como se estivesse esperando por ela, e continuou sobre os galhos da árvore, sorrindo para a menina.

- Não acredito que eu te encontrei, seu chato.
- Você demorou pacas.
- Ah, você nem imagina: eu dormi no banheiro! – ela riu timidamente, prometendo explicar a ele, depois, o que tinha acontecido.
- Eu hein... – ele se limitou a comentar.

E os dois riram por um momento.

- Seus pais sabem que você veio aqui? A minha mãe está lá dentro e eu acho que ela não te viu não, ou ela teria falado comigo.
- Não, eu saí antes deles acordarem.

Mariana fez uma expressão de censura. Suspirou. Olhou pra ele de novo, e ele não comentou mais nada. Ela ajeitou o espaço de terra perto da raiz da árvore e colocou umas folhas pra se sentar. Dobrou as pernas confortavelmente e enconstou no tronco, respirando fundo e prestando atenção, mais uma vez, em como o ar estava parado.

- Você vai ficar aí em cima pra sempre?

Leo hesitou alguns segundos em abandonar o conforto de sua árvore. Remexeu-se um pouco lá em cima, preparou os movimentos, os pés, ajeitou a roupa. E só então, lentamente, e calmamente, ele foi escorregando pelo tronco áspero da árvore em direção ao chão. Ele não falou pra Mariana, nem naquele dia nem nos anos seguintes, que ele tinha passado a noite ali, depois de fugir de seu quarto. Não disse a ela o quanto se sentiu bem por aquele tempo sobre a árvore, e em como, apesar disso, não faria de novo, pois sabia que não era uma coisa lá muito boa. Ele nem contou a ela sobre a sensação que tivera de poder ver o mundo todo lá de cima, e enxergar as pessoas e as casas de uma forma mais bonita, nítida, sem os borrões que se formam nos encontros diretos com o mundo. Por um breve segundo, durante a noite, ele teve vontade de ficar ali para sempre, até que encontrasse um motivo concreto para descer, e voltar pra casa, e rever aquele cotidiano enfadonho. Leo tinha 11 anos, e uma melancolia exacerbada para a idade dele. Talvez ele não quisesse realmente morar pra sempre ali sobre uma árvore. Talvez ele só quisesse aquela sensação, mas estando no chão, junto a todos os outros mortais. E perto de uma pessoa que o entendesse.

- Afinal, o que te deu hein? Brigou com seu pai? Sua mãe? Eu fiquei preocupada com você.

Ele deu de ombros:

- Não sei. – depois acrescentou, rindo – E você? Por que ficou dormindo no banheiro?

Ela pensou um pouco.

- Também não sei...

Os dois ficaram alguns instantes encostados na árvore, vendo o tempo passar, e ouvindo os ruídos que vinham de dentro da casa. Só depois de muitos minutos Mariana voltou a falar.

- Ei, você quer bolo? Tem na geladeira. Muito gostoso.
- De quê?
- De chocolate!
- Quero.

Ela levantou, foi pegar duas fatias, e eles continuaram lá sentados o resto da tarde, a admirar a normalidade e a continuidade que sempre se segue aos supostos clímax da vida comum.

***

Epílogo

Pois então, queridos leitores, esta história terminou. Sem muitas novidades, sem um grande acontecimento. É provável que todos os incômodos sugeridos tenham continuado ao longo do tempo imaginário, mas, bem, vocês sabem, isso é tudo ficção.

Eu gostaria, neste último ato, de fechar esta história de forma um pouco menos tristonha. Gostaria que os leitores imaginassem, como eu, uma festa com todos os personagens desta história, inclusive os feios, os gordos, os secundários, os insignificantes e todos os figurantes que tenham, eventualmente, contribuído para o cenário. Sim, uma festa; como as de colégio. Comportadas e democráticas, em que são bem vindas professores, alunos, funcionários e penetras. Seria apenas um consolo literário; algo mais ou menos equivalente ao agradecimento de mãos dadas feito pelos atores ao término de uma peça de teatro.

Mas como narrar? Como transmitir a atmosfera tão amena desse evento? É uma cena idílica, uma frase final, um fim de filme, ileso de uma continuidade. Um acontecimento solto no tempo, acima dos contextos.

Veríamos, então, o casal protagonista, bem no meio do salão: Mariana, subitamente despida de suas crises existenciais, dançando com Marcelo, em seu tradicional bom humor. Os dois parecem tão democraticamente iguais em seus sorrisos... Dando uma volta, passamos por Luiza e Bianca (que, sim, voltou do vácuo em que a deixei alguns capítulos atrás), jogando charme para os garotos em volta. Luiza dança contidamente, toda hora jogando a franja para trás, como de costume. Andemos mais um pouco e encontraremos os nerds, num grupinho com uns alunos desconhecidos, dançando desajeitadamente por trás de suas grossas lentes – a dança que um dia há de ser considerada “um estilo próprio” (para os bem sucedidos, claro). Vemos mais para a direita a professora Kátia, dançando com o professor dos óculos de tartaruga. Até que ele não dança mal. Talvez melhor do que dá aula. Kátia está um pouco alta da bebida que ela contrabandeou em sua bolsa, por isso avancemos rápido para evitar vexames. A professora ..., ao canto, com os dedinhos pra cima, fingindo que está integrada à festa, coitada; e perto dela o casal que tem o filhinho problemático: Augusto e a esposa, em conversa animada com outros pais de alunos (aqui caberia um comentário malicioso sobre o prazer que ele estaria tendo perto de tantas adolescentes bonitinhas, mas eu não vou confirmar isso, ele parece realmente ocupado na conversa). Falando em filhinho, aliás, onde está o Leo? Estava por aí com seus poucos amiguinhos, e acaba de se infiltrar entre o casal Mariana e Marcelo, que lhe dão um abraço até ele implorar para não ser esmagado. Desculpe, querido, pelo papel ingrato que lhe dei; você merecia um pouco mais de espaço. Fica pra outra vez; futuramente, quem sabe, pois eu creio que você vai ser uma grande pessoa daqui a uns, hã, 7 anos. Que pena, ele não me ouve. Continua a rir e a dançar no salão, e as pessoas se confundem, é tanta gente junta. Deixemo-nos, portanto.

Pra terminar, qual a trilha sonora dessa festa? Precisamos de algo animado. Eu sugeriria uma música um pouco desconhecida, mas bem adequada: chama-se The teacher*. A autora pede perdão por seu conhecimento insuficiente de músicas em português, mas foi bem difícil encontrar algo em minha língua que transmitisse exatamente os dilemas dos anos escolares. Portanto, já previamente perdoada, aqui me despeço, e me incluo na multidão do salão, acompanhando os versos tão cheios de simpática revolta.

Eu quero ir embora da escola por que é uma droga
E quando eu for embora da escola eu vou fazer minhas malas
E quando eu for embora da escola eu vou sair correndo
E aí eu vou montar uma banda e aprender a tocar

E antes que eu saiba, eu estarei de volta à vida
La la la la la la la la la la la la la

Quando eu for embora da escola eu vou tomar uma bebida
E quando eu for embora da escola eu vou começar a pensar
E quando eu for embora da escola eu vou queimar meus livros
E quando eu for embora da escola eu vou escrever uns versos

***

(Want to come home from school 'cos it's a drag
And when I come home from school I'm gonna pack my bags
And when I come home from school I'm gonna run away
And then I'll just start a band then learn how to play

And before I know it I'll be back to life
La la la la la la la la la la la la

When I come home from school I'm gonna have a drink
And when I come home from school I'm gonna start to think
And when I come home from school I'm gonna burn my books
And when I come home from school I'm gonna write some hooks)

***

THE END!


____________________

*Nota aos meus dois leitores: apesar da música citada no epílogo, este texto foi inspirado por algumas frases de uma outra música. Ela se chama New Slang. E os trechos são os seguintes.

"And if you had turned to me
Like a gull takes to the wind
Well, I would have jumped from my tree
And I would have danced
like the king of the eyesores
And the rest of our lives would have fared well."

3.6.06

Cena 12 – [ O despertar ]

Ela ouvia passos leves no andar de cima, apesar do silêncio em volta. Depois começaram a surgir vozes do mesmo ponto. Alguém dizia repetidamente.... “Venha aprender História, Biologia, Matemática... – as vozes diziam bem alto - Geografia, Física e Português....” Sussurros fantasmagóricos anunciavam preços e vantagens, desfilando como almas penadas sobre o teto.

Mariana acordou de um susto.

Tinha cochilado. Acordou doída, torta, o livro caído no chão. Começou a se mover aos poucos, como que desacostumada. Olhou em volta e reconheceu a cabine do banheiro. Aprumou os ouvidos; esperou. Só então destrancou a porta.

No banheiro não havia ninguém. Mariana se lembrou do relógio: eram duas horas da tarde. Todos do primeiro turno deveriam ter ido embora pouco depois do meio-dia. Agora devia estar no horário de aulas do segundo turno, mas como o horário da tarde era mais vazio, isso poderia explicar a dormência que parecia ter tomado conta do colégio. Pela manhã, mesmo se alguém se trancasse no banheiro enquanto todos estavam em aula, ouviam-se murmúrios, pés batendo, cadeiras arrastando e todo tipo de indício de gente. Naquele momento, parecia mais um prédio abandonado.

Mariana seguiu pelo corredor também vazio, tateando o chão como se desconfiasse de alguma coisa. O prédio parecia morto, sem todo aquele movimento. O corredor, tão longo, parecia infindável. Pé ante pé ela ouvia o ruído surdo do seu tênis sobre o chão encerado, e via sua sombra acompanhando-a ao longo do caminho, bem à sua frente. À medida que se aproximava da saída o ambiente finalmente ia se iluminando.

Mais estranhamente ainda, não havia ninguém no portão. Ela passou por ele devagar, como se a transgredir uma regra. Pela primeira vez ninguém lhe pedia carteirinha ou algo que comprovasse que ela realmente podia ir embora. Sentia-se ainda estranha quando cruzou a saída, e só depois foi aumentando o passo.