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9.10.06

E então nada se tornou

Um dia, quando todo o resto do mundo havia estabilizado, aquela cidade encravada entre duas serras e ignorada pelo resto do país recebeu o cheiro da estranheza. Alguma coisa tinha entrado em colapso, e não era uma coisa qualquer. Pode ser que um passante na rua tenha se virado para saber de onde vinha aquele cheiro. Pode ser também que alguém no meio de um trabalho enfadonho tenha reparado, pela janela, que não só o cheiro mas uma cor invisível vinha se alastrando bem devagar de poste em poste. O mais provável é que todos eles tenham tido medo. E tiveram medo também pelos outros, que não sabiam de nada nem desconfiavam de cheiro algum e continuavam a se divertir e a ir para suas casas achando que encontrariam as mesmas coisas de sempre.

Ainda ninguém descobriu como ir dormir na véspera do colapso; só aqueles que flutuavam pela névoa despercebida conseguiram encontrar o sono e dar as mãos a ele, aquela noite. Dançaram e rodaram com ele, a noite inteira, e a noite mais perturbada haveria de ser a mais feliz, porque não haveria noite seguinte. Já aqueles que o pressentiram algumas horas antes, ficaram a se perguntar como seria. Se restariam pelo menos os cachorros, ou os objetos de ferro, ou aço, ou qualquer coisa assim. Depois desistiram de imaginar, porque incomodava muito mais não saber como, afinal, tinha acontecido.

O engraçado era que o mesmo cheiro era também muito agradável. Assim, a cidade que acordou no dia seguinte descontinuada terminou a vigésima quarta hora da forma mais bela que eles jamais poderiam imaginar. Foi como um suspiro de alívio; e foi simples e ninguém percebeu - que nenhum dos habitantes ainda existia no dia seguinte, e que o colapso havia sido morno e calmo.