1. APELIDOS, ESCONDERIJOS E AZULEJOS (ou simplesmente ovos mexidos).
A cortina, feita de tecido fino e claro, pendia inútil, já que era bem menor que o tamanho da janela. Quando amanhecia, a claridade, sem barreiras que a impedissem, invadia o quarto pouco a pouco e impedia que o sono durasse até muito tarde. Assim, os irmãos nem precisavam de despertador. Acordavam, arrumavam as camas, verificavam o quarto da vó-mãe-do-papai para ver se precisavam recolocá-la na cama (ela vivia caindo da cama enquanto dormia, e volta e meia, quando despertava, estava confortavelmente no chão), tomavam café-da-manhã, pegavam suas coisas e iam para a escola, numa caminhada diária de meia hora. Na volta, mais meia hora.
Caio aprendera a fazer ovos mexidos desde que alcançara o fogão. Ele fazia quase todo dia, comia com pão e um copo de leite com chocolate. Bianca sentava na frente dele e só tomava leite puro, gelado (pelo menos duas canecas), enquanto escolhia umas duas ou três frutas para ir comendo no caminho. Depois ia prender o cabelo, porque o caminho para a escola seguia a maior parte pela estrada que cortava a cidade. Os carros, passando a toda velocidade, podiam despenteá-la e fazê-la chegar toda descabelada na escola. Ao lado do beliche, no chão, ficava uma caixinha cheia de saquinhos com prendedores de cabelo, organizados por cor. Todos os dias, enquanto Caio terminava de comer o pão e os ovos mexidos, Bianca gastava alguns minutos escolhendo a cor do prendedor do dia. Embora ela soltasse o cabelo logo antes de entrar na escola.
Quando voltavam, à tarde, geralmente encontravam a vó-mãe-do-papai sentada no lado esquerdo do sofá em frente à TV ligada. Aquele lado do sofá estava até mais afundado que o outro, de tanto que ela ficava ali, parada, todo dia.