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12.4.06

Cena 3 – [um tour guiado pelo colégio, a propósito de fins particulares]

A professora ..., que tinha verdadeira ojeriza por interrupções, foi obrigada a dirigir a palavra a Mariana, que vinha insistindo já há alguns minutos em sua tentativa de pedir permissão para sair da sala. “Algum motivo justo para tal?”, a professora perguntou, ao que a menina alegou o horário de seu remédio, e levantou uma cartela de comprimidinhos azuis. A professora resistiu: queria saber se Mariana estava doente de quê, já que parecia tão saudável (nisso os meninos se entreolharam em uma unânime concordância com a professora - coisa rara, diga-se de passagem). Era só um resfriado, explicou a menina, e deu uma tossidinha cínica para ilustrar a resposta. Cof cof. “Pois então – vinha o veredito da professora – a senhorita vá buscar um copo d’água e tome seu remédio aqui mesmo, para que eu possa garantir que seu resfriado será curado”. Mãos cruzadas na barriga, como símbolo da bondade da professora, em sua ânsia por ver a aluna o mais sadia possível. Tão bondosa.

- Tudo bem. – concordou a menina - Quer que eu trague um copo também para a senhora? – e Mariana exibia uma cândida e irônica expressão. Não obrigada.

Mariana sabia que:

1.A professora nem se lembraria do que tinha ordenado quando ela voltasse para a sala. Freqüentemente ela não se lembrava nem da matéria que estava dando, e ficava alguns segundos procurando no livro o assunto a continuar.
2.Se, por um milagre de São Alzheimer, a professora se lembrasse e tentasse obrigá-la a tomar o maldito remédio, Mariana já teria ido e voltado e feito o que queria fazer.
3.Ela não voltaria mesmo para a aula da professora ... naquele dia.

O corredor da sua sala era o mais escondido do segundo andar, era uma das últimas salas daquele bloco. Ali estava vazio, ninguém por perto. Andou mais um pouco, mas o corredor seguinte também não tinha ninguém. “Leo?”, ela disse, baixinho, e depois repetiu, tentando chamá-lo em tons mais altos, mas em nenhum momento ouviu resposta.

No corredor principal do segundo andar, um inspetor vinha na direção dela. Havia o álibi de não haver copos descartáveis ali por perto, apenas no refeitório. Portanto, após uma breve explicação, Mariana continuou seu caminho. Desceu as escadas olhando o pátio lá embaixo em busca de uma cabeleira ruiva. Passou pelas dezenas de jovens uniformizados, e subitamente sem rosto. Prestou atenção nos bancos, especialmente onde havia pessoas sozinhas. Chamava-lhe a atenção os meninos mais novos, das séries do outro bloco, correndo pelo pátio e em briguinhas de brincadeira. Mas ele não estava entre eles, nem na cantina, nem na parte do segundo andar que dava pra ver de lá de baixo. Nem perto da quadra. Nem em parte alguma. Mariana sentou, desolada, no banquinho de pedra decorado com azulejos brancos, do refeitório, e ficou observando as funcionárias mexerem o arroz. Depois saiu, andou mais um pouco. Finalmente, ficou sentada na arquibancada ao lado da quadra, perto apenas de pessoas que ela não conhecia. O colégio explodia de barulho bem ali ao lado; talvez ela fosse capaz de ouvir se não fosse pelo zunido bem atrás da sua nuca, que ia aos poucos cobrindo seus ouvidos e dançando valsa dentro do seu cérebro.