Cena 4 – [continuação de uma certa contemplação; o plano geral psicológico, sob determinado ponto de vista]
Kátia desceu as mesmas escadas que Mariana tinha descido apenas meia hora antes. Ela estava ainda lá sentada, o cabelo dourado caindo, derretendo sobre os ombros, como a se desculpar por tanta beleza. A professora mastigava seu chiclete de nicotina, encostada em uma pilastra, vendo o tempo passar. Tinha pedido que alguém tomasse conta da turma por alguns minutos. Então desceu, e estacou.
A quadra era rodeada por uma tela, através da qual dava pra ver o outro lado do pátio, e as pessoas que passassem em volta. Mariana aparecia atrás de uma trama de náilon, levemente deformada. Assim como os alunos ao redor dela. Na quadra, Marcelo acabava de entrar no jogo de basquete que se improvisava no momento. Em pouco tempo ele se integrou ao time; fazia sinais e chamava a bola, pedia o passe. Quando finalmente a recebeu, partiu da linha do meio levando-a sozinho até o final, driblando os adversários e ignorando os chamados dos aliados. Ao final, uma bela cesta. E o rapaz voltou caminhando pela quadra de braços levantados, brincando de instigar os aplausos do público. Kátia mastigava seu chiclete; não poderia aplaudir com os braços cruzados como estava. Mariana assistia indiferente.
A professora foi subindo pela escada externa, vendo o pátio se afastar e os grupinhos de estudantes tornaem-se achatados pela altura, diminuídos pela distância. Pensava ela na estupidez daqueles rótulos em que todos se encaixavam, por mais que evitassem. Aquele ali, tão tímido e pacato, poderia tanto se tornar um assassino ressentido quanto transformar-se radicalmente em um intelectual auto-confiante, quem sabe até continuar sua pecha como uma eterna maldição. Um dia ela encontrara uma amiga de infância que costumava ser atormentada pelas zombarias de todos os outros; Kátia a olhara envergonhada e desconfortável. A outra, ao contrário, parecia muito mais cheia de entusiasmo que ela, e, embora o rosto não tivesse progredido muito no quesito de aparência, não se enxergava mais ali nenhum prato de humilhações. Kátia se despediu dela como se a outra é que tivesse sido sua carrasca.
O triste era ver aqueles protótipos de pessoas idolatrando falsas verdades, falsos modelos, crendo em predestinações falíveis, vendo um futuro tão distorcido. Não podia desprezar, pois ela compreendia, mas que fazer? No futuro, veriam como nada daquilo era assim tão importante. Enxergariam quão pequenos eram os problemas daquela época, e quão mais fácil tudo se tornava depois que passava. Ah a doce ilusão do drama adolescente. Quisera ela, quisera ela nunca ter pulado o muro em busca dos bares abertos, com seus colegas todos garotos, a ensiná-la molecagens. Quisera ela um dia ter saltado mais alto, bem sob o olhar da diretora; quisera, no dia seguinte, ter pedido perdão, e se contorcido de arrependimento, e prometido toda uma vida de dedicação escolar.
Fosse o que fosse, agora ela estava em outro papel, mais confortável, embora tão tragicamente infeliz como sempre fora.
A quadra era rodeada por uma tela, através da qual dava pra ver o outro lado do pátio, e as pessoas que passassem em volta. Mariana aparecia atrás de uma trama de náilon, levemente deformada. Assim como os alunos ao redor dela. Na quadra, Marcelo acabava de entrar no jogo de basquete que se improvisava no momento. Em pouco tempo ele se integrou ao time; fazia sinais e chamava a bola, pedia o passe. Quando finalmente a recebeu, partiu da linha do meio levando-a sozinho até o final, driblando os adversários e ignorando os chamados dos aliados. Ao final, uma bela cesta. E o rapaz voltou caminhando pela quadra de braços levantados, brincando de instigar os aplausos do público. Kátia mastigava seu chiclete; não poderia aplaudir com os braços cruzados como estava. Mariana assistia indiferente.
A professora foi subindo pela escada externa, vendo o pátio se afastar e os grupinhos de estudantes tornaem-se achatados pela altura, diminuídos pela distância. Pensava ela na estupidez daqueles rótulos em que todos se encaixavam, por mais que evitassem. Aquele ali, tão tímido e pacato, poderia tanto se tornar um assassino ressentido quanto transformar-se radicalmente em um intelectual auto-confiante, quem sabe até continuar sua pecha como uma eterna maldição. Um dia ela encontrara uma amiga de infância que costumava ser atormentada pelas zombarias de todos os outros; Kátia a olhara envergonhada e desconfortável. A outra, ao contrário, parecia muito mais cheia de entusiasmo que ela, e, embora o rosto não tivesse progredido muito no quesito de aparência, não se enxergava mais ali nenhum prato de humilhações. Kátia se despediu dela como se a outra é que tivesse sido sua carrasca.
O triste era ver aqueles protótipos de pessoas idolatrando falsas verdades, falsos modelos, crendo em predestinações falíveis, vendo um futuro tão distorcido. Não podia desprezar, pois ela compreendia, mas que fazer? No futuro, veriam como nada daquilo era assim tão importante. Enxergariam quão pequenos eram os problemas daquela época, e quão mais fácil tudo se tornava depois que passava. Ah a doce ilusão do drama adolescente. Quisera ela, quisera ela nunca ter pulado o muro em busca dos bares abertos, com seus colegas todos garotos, a ensiná-la molecagens. Quisera ela um dia ter saltado mais alto, bem sob o olhar da diretora; quisera, no dia seguinte, ter pedido perdão, e se contorcido de arrependimento, e prometido toda uma vida de dedicação escolar.
Fosse o que fosse, agora ela estava em outro papel, mais confortável, embora tão tragicamente infeliz como sempre fora.
2 Comments:
EU acho esse texto bacana demais pra ser lido aqui, sheilinha.
By Anônimo, at sábado, abril 15, 2006
Lembrei de uma aula de Teoria da Comunicação..."as pessoas se vestem iguais, falam iguais, andam iguais, dançam iguais, gostam de músicas iguais, que tocam em rádios iguais, que tem equipes iguais, que anunciam exposições, espetáculos, shows, tudo muito igual. E dentro de tudo isso, as pessoas procuram ser em alguma coisa diferentes." (isso nem é uma crítica pessoal à personalidades realmente construídas, é só uma observação besta sobre ser aceito)
By Dona Lilian, at domingo, abril 16, 2006
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