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1.5.06

Cena 5 – [um diálogo, uns olhares, dois jovens em busca da metade do caminho]

Marcelo abandonou o jogo e dirigiu-se à quadra, em seu jeito cambaleando de andar. Mariana o recebeu com um meio-sorriso, embora ela se esforçasse por oferecer mais. Deixou-se ser beijada e abraçada, mas o corpo apresentava resistência.

- Que houve? – ele perguntou, finalmente deixando de sorrir.
- Nada – ela respondeu, dando de ombros. E continuava a olhá-lo; depois baixou os olhos, e recostou-se ao ombro dele.

A mão dele, com um pouco de exagero, era quase o dobro da dela. Distraidamente eles brincavam de entrelaçar os dedos e comparar o tamanho das mãos, numa tentativa de compensar o silêncio. Mariana buscava, entre os labirintos do pensamento, algo que pudesse exprimir como algum motivo plausível para a cara amarrada. Ele sempre tão risonho; ela sempre tão cabisbaixa.

- Engraçado. – ela disse, afinal - É bom ficar perto de você. Parece que tudo que eu penso é bobagem, que não tem por que ficar chateada com nada. Quem sabe um dia eu aprenda a encarar as coisas assim igual você. Mas...
- Mas...?
- Não sei. Ao mesmo tempo tenho a sensação de que não tem como você entender o que se passa dentro de mim.
- Não entendo mesmo; me desculpa – ele disse, após uns instantes.
- Ei... Não precisa se desculpar. Não é isso.

Mentalmente, Marcelo fez um certo esforço, como costumava nesses casos, e tentou entender o que se passava, mas o máximo de intensidade que ele conseguia, em questão de análise de situações dramáticas, era algo proporcional ao que se sente quando se imagina “será que ela está gripada?”.

- Acho que você e as meninas brigaram – ele arriscou, por fim.
- Como é? – ela o olhou, surpresa com a suposição.
- Ah sei lá. Você tem falado menos com elas esses dias. Não é não?

Mariana suspirou.

- Acho que sim. Na verdade não imaginei que alguém tivesse percebido. – Marcelo sorriu orgulhoso de sua astúcia, mas a garota nem viu, porque estava de cabeça baixa, admirando o par esquerdo do próprio tênis. – Não foi por querer. Quer dizer, não sei se elas repararam, se estão chateadas comigo. Eu gosto delas, sabe? Gosto mesmo. Não é isso que dizem delas de serem patricinhas e fúteis e burras. Tudo bem, às vezes é, mas não me incomoda, e, poxa...sei lá, elas são minhas amigas... – Mariana fez uma pausa – A gente tem a tendência de acabar sendo o que as pessoas esperam que a gente seja. Todo mundo acha que eu sou muito bonita, e que por isso eu sou metida, e também idiota e um monte de coisa. Às vezes eu me sinto muito desconfortável em não ser exatamente isso; ou pelo menos eu acho que não sou. E aí esperam que eu ande com elas, e eu acabei andando com elas, porque ninguém mais me vê de outra forma, e aí....Ah, deixa pra lá.

Mariana suspirou, e novamente baixou os olhos, em busca do que dizer.

- Pode ser uma grande bobagem, mas eu não queria que me achassem assim tão bonita. Sério. Eu queria ser igual todo mundo.

Marcelo a olhava com carinha de namorado compreensivo, as sobrancelhas levantadas, a boca repuxada pro lado.

- Olha, eu conheci uma menina linda uma vez. Ei, calma aí, não pensa besteira. Deixa eu continuar. Aí, bem, ela era linda, e todo mundo sabia disso. Um dia ela começou a reclamar de chamar tanta atenção, e que todo mundo ficava atrás dela e tal e coisa, e...Bom, na semana seguinte ela sofreu um acidente. E ficou toda deformada.

Mariana olhou-o por alguns segundos. Ele a olhava também, confirmando a história com leves trejeitos faciais. Finalmente, ele disse:

- É sério.

E deu uma gargalhada.

3 Comments:

  • hahaha...que medo.
    Me fez pensar numa menina muito bonita que estuda comigo, xará da sua personagem...

    By Blogger Dona Lilian, at terça-feira, maio 02, 2006  

  • uuh.. q trágico... e singelo tb... os dois e nada... dá pra gostar dos personagens e odiá-los ao mesmo tempo?! heheh ;p

    By Anonymous Anônimo, at terça-feira, maio 02, 2006  

  • E não é que a "menina que não sabe fazer diálogos" concebeu uma bela conversa entre seus personagens?
    É singela e triste essa incapacidade dos dois conseguirem se fazer entender...

    Aliás, não sei se vc percebeu, a (não)capacidade de comunicação é um tema que me fascina um bocado. Como acontece nas conversas de Marco Polo e Kublai Khan n'As Cidades Invisíveis, com os irmãos Glass do Salinger, com tantos personagens do Kafka...

    By Blogger Edson, at sexta-feira, maio 05, 2006  

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