A não-morte anunciada *
Ah sim, volto para casa, desolado. Amanhece, ainda ouço ruídos de grilos - ou talvez seja impressão. Essa cor estranha de um amanhecer azulado e triste me envolve, vai me seguindo. Estou pálido, não preciso que ninguém me diga. Vejo a inutilidade desse amanhecer tanto quanto dos outros. Vejo a inutilidade do meu caminhar. No entanto, o motorista do bonde passa por mim e acena: eu, parado no meio da rua; e ele desvia, com seu sorriso sarcástico. Parece que os passageiros não viram; mas eram poucos, não posso ter certeza. Na farmácia, o atendente se esconde, se recusa, eu insisto por aqueles comprimidos, mas ele só me vende um líquido verde para limpeza bucal. Estão todos de acordo, e estão contra o meu mais forte desejo. Enconsto-me à porta, vejo ainda outro bonde - talvez ele ria para mim. Aquele homem lá, do outro lado da calçada, bem capaz de ser um bandido, e ele evita os meus olhos. Quisera eu segui-lo, implorar-lhe que me ajude. Mas a minha morte é negada, o amanhecer amanhece, eu sigo os trilhos e não reparo nos carros.
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* Ouvindo a bela e estranha 'Green Arrow', do Yo La Tengo
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* Ouvindo a bela e estranha 'Green Arrow', do Yo La Tengo
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