( Sem título. Alguém sugere um? )
O menino começou a fazer sozinho aquela casa na árvore, imitando os filmes que ele via quando chegava do colégio, enquanto almoçava em frente à televisão. A mãe dizia que ele devia primeiro comer e depois ir para a sala, mas nunca chegou a surtir efeito a sua sugestão. A mãe não era de dar ordem. Era freudiana e marxista, liberal demais para impor sua posição matriarcal. Então o menino continuava comendo em frente à tv.
O menino gostava de toda essa liberalidade da mãe, só não gostava quando ela recitava trechos de Beauvoir para se consolar das ausências do marido. Ele não gostava de vê-la falando sozinha.
Um dia a mãe viu da cozinha o menino parado no quintal da casa, olhando para cima por um bom tempo. A mãe continuou cantando, e olhando pela janela, lavando a louça, e ficou se perguntando se o menino daria um bom agrônomo.
No dia seguinte o pai aceitou arranjar para ele uns bons pedaços de madeira. Depois arranjou também pregos e tintas e outras coisas. Mas construir, o menino construiu sozinho.
A mãe às vezes olhava da cozinha e achava interessante a casa da árvore, enfeitando o jardim. Às vezes as vizinhas vinham comer bolinhos sentadas no quintal, e ficavam ouvindo a mãe contar como o menino tinha construído sozinho aquela casinha. A mãe chegou a se perguntar se o menino daria um bom engenheiro (carpinteiro não).
***
Um dia a mãe não achou o menino no quarto quando foi acordá-lo para ir à escola, e essa foi a primeira vez que ele dormiu na casa da árvore. A mãe perguntou a ele se não podia entrar chuva lá, se chovesse; se não podia pegar uma ventania, se ventasse muito; se não podia arrebentar alguma coisa e ele cair de lá de cima e morrer. O menino disse que achava que não; que achava que também não; que o máximo que podia acontecer era ele ficar preso nos galhos, mas morrer não morria.
Aí então ele dormia todos os dias na casa da árvore. De noite o menino jantava, pegava suas coisas, dizia boa noite e ia para fora.
Por essa época ele começou a se desfazer das coisas do quarto. Começou com a bandeira do time de futebol, que um dia apareceu na lixeira. Quando a mãe viu, precisou confirmar o fato, e apesar de achar inusitado, não se importou. Não imaginava que depois ele jogaria fora também os discos, o travesseiro, os livros. A cada dia o quarto ia sendo esvaziado, roupas iam sendo amontoadas no cesto para as doações de caridade.
O cômodo foi minguando, ficando apenas com a cama e o armário, que mal se preenchia pela metade.
O menino justificou brevemente: alegou que aquelas coisas já não mais faziam parte dele. Que já não se identificava com aqueles objetos, e que precisava de coisas novas. A mãe entendeu isso como uma forma de materialismo dialético, e chegou a conversar com o pai do menino: ele está crescendo, está adolescendo; fica lá fora tentando chamar nossa atenção para sua independência, sua personalidade, sabe?, precisamos apoiar esse amadurecimento.
O pai não via nenhum amadurecimento no menino, que continuava ignorando a mãe e comendo na sala. Mas mesmo assim colaborou.
Então dia após dia o menino aparecia com sacolas de compras, entulhando sua casa da árvore com abastecimentos para seu novo quarto.
A mãe tinha pensado que ele voltaria a decorar o quarto da casa de tijolos, mas em vez disso ele só se importava com a casa da árvore.
***
Um dia a situação afinal se estabilizou. O menino continuava dormindo na casa da árvore, mas já não jogava coisas foras nem comprava novas. Tinha, enfim, terminado o processo.
A mãe, curiosa, resolveu subir na casa da árvore pela primeira vez, e visitar os aposentos novos do filho. Já o via como um menino diferente, mais seguro de si, e chegou a se perguntar se o menino daria um bom psicanalista.
Ela estava mais uma vez olhando a casa da árvore distraidamente pela janela da cozinha, enquanto descascava oos ovos que tinha acabado de cozinhar. Secou as mãos no avental e pasosu para o quintal. Analisou os degraus de madeira para ver se conseguiria subir. Depois foi com cuidado se segurando até chegar lá em cima.
A mãe ficou satisfeita de ver a organização do menino, pois na casa reinava não uma bagunça, mas uma ordem bem razoável. Algumas coisas estavam meio jogadas, mas nada muito condenável. O estranho era só que a casa da árvore parecia muito com o antigo quarto do menino. Tinha a bandeira do time, igual, só que nova; tinha os mesmos livros, só que em outras edições; tinha as mesmas marcas de roupas, mesmas cores, o mesmo chinelo.
A mãe voltou para a cozinha e terminou de descascar os ovos.
De noite, na janta, ela olhava para o menino um tanto decepcionada, mas não comentou nada com o marido.
O menino gostava de toda essa liberalidade da mãe, só não gostava quando ela recitava trechos de Beauvoir para se consolar das ausências do marido. Ele não gostava de vê-la falando sozinha.
Um dia a mãe viu da cozinha o menino parado no quintal da casa, olhando para cima por um bom tempo. A mãe continuou cantando, e olhando pela janela, lavando a louça, e ficou se perguntando se o menino daria um bom agrônomo.
No dia seguinte o pai aceitou arranjar para ele uns bons pedaços de madeira. Depois arranjou também pregos e tintas e outras coisas. Mas construir, o menino construiu sozinho.
A mãe às vezes olhava da cozinha e achava interessante a casa da árvore, enfeitando o jardim. Às vezes as vizinhas vinham comer bolinhos sentadas no quintal, e ficavam ouvindo a mãe contar como o menino tinha construído sozinho aquela casinha. A mãe chegou a se perguntar se o menino daria um bom engenheiro (carpinteiro não).
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Um dia a mãe não achou o menino no quarto quando foi acordá-lo para ir à escola, e essa foi a primeira vez que ele dormiu na casa da árvore. A mãe perguntou a ele se não podia entrar chuva lá, se chovesse; se não podia pegar uma ventania, se ventasse muito; se não podia arrebentar alguma coisa e ele cair de lá de cima e morrer. O menino disse que achava que não; que achava que também não; que o máximo que podia acontecer era ele ficar preso nos galhos, mas morrer não morria.
Aí então ele dormia todos os dias na casa da árvore. De noite o menino jantava, pegava suas coisas, dizia boa noite e ia para fora.
Por essa época ele começou a se desfazer das coisas do quarto. Começou com a bandeira do time de futebol, que um dia apareceu na lixeira. Quando a mãe viu, precisou confirmar o fato, e apesar de achar inusitado, não se importou. Não imaginava que depois ele jogaria fora também os discos, o travesseiro, os livros. A cada dia o quarto ia sendo esvaziado, roupas iam sendo amontoadas no cesto para as doações de caridade.
O cômodo foi minguando, ficando apenas com a cama e o armário, que mal se preenchia pela metade.
O menino justificou brevemente: alegou que aquelas coisas já não mais faziam parte dele. Que já não se identificava com aqueles objetos, e que precisava de coisas novas. A mãe entendeu isso como uma forma de materialismo dialético, e chegou a conversar com o pai do menino: ele está crescendo, está adolescendo; fica lá fora tentando chamar nossa atenção para sua independência, sua personalidade, sabe?, precisamos apoiar esse amadurecimento.
O pai não via nenhum amadurecimento no menino, que continuava ignorando a mãe e comendo na sala. Mas mesmo assim colaborou.
Então dia após dia o menino aparecia com sacolas de compras, entulhando sua casa da árvore com abastecimentos para seu novo quarto.
A mãe tinha pensado que ele voltaria a decorar o quarto da casa de tijolos, mas em vez disso ele só se importava com a casa da árvore.
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Um dia a situação afinal se estabilizou. O menino continuava dormindo na casa da árvore, mas já não jogava coisas foras nem comprava novas. Tinha, enfim, terminado o processo.
A mãe, curiosa, resolveu subir na casa da árvore pela primeira vez, e visitar os aposentos novos do filho. Já o via como um menino diferente, mais seguro de si, e chegou a se perguntar se o menino daria um bom psicanalista.
Ela estava mais uma vez olhando a casa da árvore distraidamente pela janela da cozinha, enquanto descascava oos ovos que tinha acabado de cozinhar. Secou as mãos no avental e pasosu para o quintal. Analisou os degraus de madeira para ver se conseguiria subir. Depois foi com cuidado se segurando até chegar lá em cima.
A mãe ficou satisfeita de ver a organização do menino, pois na casa reinava não uma bagunça, mas uma ordem bem razoável. Algumas coisas estavam meio jogadas, mas nada muito condenável. O estranho era só que a casa da árvore parecia muito com o antigo quarto do menino. Tinha a bandeira do time, igual, só que nova; tinha os mesmos livros, só que em outras edições; tinha as mesmas marcas de roupas, mesmas cores, o mesmo chinelo.
A mãe voltou para a cozinha e terminou de descascar os ovos.
De noite, na janta, ela olhava para o menino um tanto decepcionada, mas não comentou nada com o marido.
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