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18.2.06

# 2

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(originalmente: ...whenever you can)

13.2.06

Um vilarejo, um forasteiro

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Humberto Costa, em seu aniversário de 53 anos, tomou um fim de semana qualquer e seguiu em seu carro rumo ao nordeste brasileiro, alguma cidadezinha perdida no meio de Sergipe.

Uma massa de nuvens cinzentas preenchia seu coração enquanto o sol se debatia em raios fulminantes sobre a estrada, retorcida indefinidamente em quilômetros e quilômetros de distância. Humberto nem chegou a se sentir bem com a idéia; perturbava-o o destino, e o objetivo. Levou poucas roupas, além de papéis do escritório para adiantar no tempo vago, em alguns quartos de hotel que ocupou no percurso, para descansar da direção. Em 14 horas ele chegou a R...., marcada no mapa com uma caneta vermelha.

Encontrou os mesmos bancos da praça, vazios e empoeirados. Perambulou por algumas poucas ruas que se cruzavam e davam sempre no mesmo ponto. Achou o ar parado, e sentiu náuseas pelo contraste com o constante vento que o seguira durante a viagem.

Chegara à mesma cidade de tanto tempo antes, mas já não a reconhecia.

Finalmente, parou em uma posição qualquer do local e perguntou-se a que se devia aquilo.

Humberto, homem feito e já calvo, estacionou o carro tão bem quanto sempre fazia, e foi até a moça do restaurante barato, em busca de orientação.

A moça, embora descuidada, era bonita, loira, com dentes fortes e amarelados, e os nós dos dedos salientes e inexplicavelmente atraentes. Ela sorria demais, e puxou papo com o estranho, numa atitude de quem não tem muita ocupação o dia inteiro. Ele perguntou como acharia aquela rua, aquele número. A moça inclinou-se mais, pois ele falava tão baixo. Orientou-o com a mais sincera das solicitudes, e olhou-o nos olhos meio que com curiosidade. Claro que perguntou o que ele fazia ali, um moço daqueles bem vestido. Humberto explicou à moça que viera daquele lugar mesmo, muitos anos antes, era sua cidade natal. Passara lá sua juventude e um pouco da idade adulta. Buscava sua casa, mas nenhum parente, pois já não os tinha. Esperou por isso aquele sorriso de companheirismo. Ao contrário, a moça inclinou a cabeça estranhando ele não se lembrar do local de onde viera. Ele a olhou pelos mesmos segundos, mas naquela espera de quem tenta entender a expressão do outro.

Mas a casa, a mesma, os mesmos tijolos, apenas envelhecidos. E as casas ao redor, com suas antenas a mais, uma janela trocada de cor, um portão recoberto de tinta. Era tudo muito mais distante do que ele esperava. Mesmo ali, em frente. Mesmo quase tocando o reboco com a testa suada.

Não demorou muito e retomou a estrada, fingindo ignorar um triste desespero que crescia dentro dele. Escondeu a pasta com os pés para baixo do banco, e alguns quilômetros mais tarde lamentou não ter trazido aquele disco, aquele que ele nunca se lembraria o nome, em que algum momento alguém cantava algo que ele se lembrava mais ou menos como se fosse...: I'm growing old and I wanna go home.

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ouvindo Nick Drake, claro

12.2.06

"Absurdos me fariam feliz"

Quando começaram a cair os pingos de chuva, logo a cidade se alarmou. A força especial foi chamad,a na tentativa de conter a calamidade. Nos outros locais, ninguém entendia por que aquela cidade estranhava a chuva e a julgava uma maldição. Na própria cidade, ninguém entendia como os outros podiam aceitar tal fato como natural. Embora nenhuma ação governamental tivesse surtido efeito até o momento, os cidadãos não deixavam de reagir daquela forma. As mulheres se fechavam em casa para rezar, os homens buscavam meios de conter a maldição.

*

De repente começou a juntar gente, e as pessoas comentavam por que aquele paralelepípedo saíra do lugar. Alguns se perguntavam sobre formas sobrenaturais de deslocamento; alguns olhavam para o céu e continuavam o caminho desconfiados.

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Quantos, quantos deles? Não sei. E o homem? Não reparei. Chegaram a matá-lo? Sim, mas já levaram o corpo. Poderia nos dar uma estimativa dos decibéis? Desculpe, não sei. Com o que temos não podemos fazer nada, senhora. Como não? Não há flagrante. Eu poderia reconhecê-los, adianta? Sim, mas a lei de poluição auditiva é bem restrita ainda. Antigamente essas práticas limitavam-se aos locais específicos, é um absurdo a que ponto chegamos. Mas continue denunciando as infrações sonoras, é de cidadãos como a senhora que a cidade precisa.

6.2.06

Enfim só

Tinham se amado naquela noite. Talvez uma despedida, quem sabe. Ele levantou por um leve ruído na casa; o peito apertou. Se fosse o que ele previa, então finalmente acontecera.

Fechou os olhos e continuou deitado, aproveitando o momento. Imaginava a tensão dela, tentando não fazer barulho, não ser descoberta. Bobinha. Para quê? Ele se daria ao trabalho de fazer falsas cenas? Para perder o gosto do ato final? Era o momento esperado. Ouvia o som do sapato, tão leve, tão artificialmente leve. Podia sentir os ressentimentos dela e a esperança de que ele sentisse muito. E havia a certeza de que continha o choro. Infelizmente, perdia essa cena, quase todas vezes.

Demorou pouco, sempre tão pouco. No entanto, o próprio ar que ele respirava tornara-se delicioso. Seria um ótimo café da manhã no dia seguinte.

Depois, novas investidas, novas tentativas, tudo pela espera daquela noite em que ele não mais encontraria as roupas dela ao lado, em que acordaria desejoso de um promissor abandono, o gozo final, o desfecho, o aniquilamento.
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I love the sound of you walking away

4.2.06

(...)

Grande loja, metros e metros quadrados rodeados pelo ar condicionado, pelas câmeras; preenchidos por prateleiras, luzes, consumidores. E a pessoa, ao entrar, transforma-se na categoria 'consumidor'. Existe a sessão de crianças. Material escolar. Roupas. Brinquedos. Uma garota, ela não é criança, que perambula pelas prateleiras das crianças. Ela vê as luzes e gosta: são muitas. Muito fortes. Tudo fica claro demais, as coisas começam a perder os contornos. As luzes entram nos olhos, fazem os produtos mais bonitos, mais compráveis. Um rádio emite sons incongruentes de partes desconhecidas ao longo do teto do supermercado. A garota percorre as prateleiras, mera observadora, nada compra. É a prateleira dos brinquedos, um olhar demorado, um passo que se detém. Lembranças, sensações: de gostar de mexer nesses brinquedos na loja. Há um vazio de tempo e de espaço, eles são simultâneos e siameses. Ela pára, fita, contempla. Estão abertos, para serem testados. O primeiro, um telefone de vaquinha. Colorido: vermelho, branco, azul, amarelo, verde. Do botão maior sai uma musiquinha de gosto eletrônico. Ela demora, começa a impregnar no ar, nas prateleiras, nas luzes, no corredor enorme e vazio. Logo embaixo - um ônibus. Colorido. São as mesmas cores. Ao lado de cada passageiro, um botão que pede: try me. Try me. Mais um botão, e uma música conhecida se sobrepõe à anterior, que pelo tempo logo cessa. Logo vão os botões, um após o outro. Mais sons desconhecidos. Melodias com sabor de chip. Hipnose esquisita, sob as luzes do mercado. Embaralham-se. Os brinquedos, parados, inocentes e coloridos, fingem de nada saber. Botões, botões, botões. A vaquinha colorida, um piano de dez teclas, um ônibus com carinhas desenhadas. Todos parados, cúmplices da algazarra de notas agudas previamente definidas pelas empresas de brinquedos. Aos poucos, uma a uma, elas vão parando. Os brinquedos fingem inocência, retornam a seus postos, mesmo sem terem saído do lugar.

Silêncio. Luzes fortes. Caixas uma ao lado da outra, na mesma posição. Um corredor vazio e branco de luz, uma garota, passo após passo, uma bobagem de dois minutos. Percorre o espaço vazio; novas prateleiras. Novamente a vaguidão e o tempo, e do tempo.