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13.2.06

Um vilarejo, um forasteiro

*

Humberto Costa, em seu aniversário de 53 anos, tomou um fim de semana qualquer e seguiu em seu carro rumo ao nordeste brasileiro, alguma cidadezinha perdida no meio de Sergipe.

Uma massa de nuvens cinzentas preenchia seu coração enquanto o sol se debatia em raios fulminantes sobre a estrada, retorcida indefinidamente em quilômetros e quilômetros de distância. Humberto nem chegou a se sentir bem com a idéia; perturbava-o o destino, e o objetivo. Levou poucas roupas, além de papéis do escritório para adiantar no tempo vago, em alguns quartos de hotel que ocupou no percurso, para descansar da direção. Em 14 horas ele chegou a R...., marcada no mapa com uma caneta vermelha.

Encontrou os mesmos bancos da praça, vazios e empoeirados. Perambulou por algumas poucas ruas que se cruzavam e davam sempre no mesmo ponto. Achou o ar parado, e sentiu náuseas pelo contraste com o constante vento que o seguira durante a viagem.

Chegara à mesma cidade de tanto tempo antes, mas já não a reconhecia.

Finalmente, parou em uma posição qualquer do local e perguntou-se a que se devia aquilo.

Humberto, homem feito e já calvo, estacionou o carro tão bem quanto sempre fazia, e foi até a moça do restaurante barato, em busca de orientação.

A moça, embora descuidada, era bonita, loira, com dentes fortes e amarelados, e os nós dos dedos salientes e inexplicavelmente atraentes. Ela sorria demais, e puxou papo com o estranho, numa atitude de quem não tem muita ocupação o dia inteiro. Ele perguntou como acharia aquela rua, aquele número. A moça inclinou-se mais, pois ele falava tão baixo. Orientou-o com a mais sincera das solicitudes, e olhou-o nos olhos meio que com curiosidade. Claro que perguntou o que ele fazia ali, um moço daqueles bem vestido. Humberto explicou à moça que viera daquele lugar mesmo, muitos anos antes, era sua cidade natal. Passara lá sua juventude e um pouco da idade adulta. Buscava sua casa, mas nenhum parente, pois já não os tinha. Esperou por isso aquele sorriso de companheirismo. Ao contrário, a moça inclinou a cabeça estranhando ele não se lembrar do local de onde viera. Ele a olhou pelos mesmos segundos, mas naquela espera de quem tenta entender a expressão do outro.

Mas a casa, a mesma, os mesmos tijolos, apenas envelhecidos. E as casas ao redor, com suas antenas a mais, uma janela trocada de cor, um portão recoberto de tinta. Era tudo muito mais distante do que ele esperava. Mesmo ali, em frente. Mesmo quase tocando o reboco com a testa suada.

Não demorou muito e retomou a estrada, fingindo ignorar um triste desespero que crescia dentro dele. Escondeu a pasta com os pés para baixo do banco, e alguns quilômetros mais tarde lamentou não ter trazido aquele disco, aquele que ele nunca se lembraria o nome, em que algum momento alguém cantava algo que ele se lembrava mais ou menos como se fosse...: I'm growing old and I wanna go home.

*

____

ouvindo Nick Drake, claro

6 Comments:

  • sheilinha, que bonito! ;))

    By Anonymous Anônimo, at terça-feira, fevereiro 14, 2006  

  • Wow. A questão é: nunca dizer nunca. Por esse fato você perdeu a aposta e não aceito negativas ^_^

    By Anonymous Anônimo, at quarta-feira, fevereiro 15, 2006  

  • Essa sua idéia de textos inspirados em músicas é muito boa!
    Você veja só: agora, quando eu escuto walk away, não consigo desassociar a música da idéia do seu texto. Parece que ganhou mais significado, sei lá...

    E você veja só outra coisa: achei uma prova do Saboga onde ele circulava uma parte do meu texto e dizia: 'Linguagem oral. Retirar isso do seu texto'... e não é que ele tem razão?! Eu faço muito isso, conscientemente ou não... Saboga me ensinando depois de tanto tempo...

    By Blogger Érica L., at sexta-feira, fevereiro 17, 2006  

  • Adorei o texto. Só não gostei do final.
    Ouvindo Nick Drake é foda!

    By Anonymous Anônimo, at segunda-feira, fevereiro 20, 2006  

  • A impressão que eu tenho toda vez que volto é que não tenho "nenhum nicho". Porque as coisas antigas dza minha própria vida me são tão irreais que eu às vezes penso que morri e nasci de novo.

    By Blogger Dona Lilian, at quarta-feira, fevereiro 22, 2006  

  • Que coisa. I'm growing old and I wanna go home. Adoro essa música, mas nunca prestei atenção nessa frase - E você faz o texto justo sobre ela! Sempre atentei bem mais para aquela imagem meio demoníaca do "cão de olhos negros à porta", dá até medo...

    ***

    Mas quando li pela primeira vez, esse texto me remeteu bem mais ao início de outra música: "Misunderstood", do Wilco.

    When you're back in your old neighborhood
    The cigarettes taste so good
    But you're so misunderstood
    You're so misunderstood
    There's something there that you can't find
    Honest when you're tellin' a lie


    Depois percebi que não tinha tanto a ver. O personagem também é um "misunderstood", mas isso aqui só tem melancolia, não tem "cigarettes that taste so good".

    E não tô reclamando não. O post é bom exatamente porque é triste e melancólico.

    ***

    Mas, Sheila, sério: muda o nome do personagem. Humberto Costa não dá. É o nome de um ex-ministro da saúde, super conhecido aqui em Pernambuco, eterno candidato a governador. O filho dele estuda jornalismo lá na faculdade - o que fez ele até aparecer numa festinha que o povo lá tinha organizado, pra conferir a banda do filhão. Imagina, você numa festa, todo mundo bêbado, e aparece o Ministro da Saúde. Bizarro, muito bizarro.

    Mas sim, voltando ao texto: é impossível imaginar um personagem perdido quando você associa a uma cara conhecida. Ainda mais de um político...

    ***

    Esse personagem merece algo maior. Uma história, algum motivo pra esse desespero, pra esse querer voltar pra casa. Não precisa dar todos os detalhes da vida dele - é importante também não contar tudo, deixar o leitor imaginar, deixar algumas coisas em aberto, talvez confusas mesmo - mas desenvolver mais pode torná-lo um pouco mais fascinante.

    Não é bem uma crítica. É mais um desafio pra você, Hazey Jane. ;)

    By Blogger Edson, at segunda-feira, março 06, 2006  

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