30.4.06
22.4.06
14.4.06
Cena 4 – [continuação de uma certa contemplação; o plano geral psicológico, sob determinado ponto de vista]
Kátia desceu as mesmas escadas que Mariana tinha descido apenas meia hora antes. Ela estava ainda lá sentada, o cabelo dourado caindo, derretendo sobre os ombros, como a se desculpar por tanta beleza. A professora mastigava seu chiclete de nicotina, encostada em uma pilastra, vendo o tempo passar. Tinha pedido que alguém tomasse conta da turma por alguns minutos. Então desceu, e estacou.
A quadra era rodeada por uma tela, através da qual dava pra ver o outro lado do pátio, e as pessoas que passassem em volta. Mariana aparecia atrás de uma trama de náilon, levemente deformada. Assim como os alunos ao redor dela. Na quadra, Marcelo acabava de entrar no jogo de basquete que se improvisava no momento. Em pouco tempo ele se integrou ao time; fazia sinais e chamava a bola, pedia o passe. Quando finalmente a recebeu, partiu da linha do meio levando-a sozinho até o final, driblando os adversários e ignorando os chamados dos aliados. Ao final, uma bela cesta. E o rapaz voltou caminhando pela quadra de braços levantados, brincando de instigar os aplausos do público. Kátia mastigava seu chiclete; não poderia aplaudir com os braços cruzados como estava. Mariana assistia indiferente.
A professora foi subindo pela escada externa, vendo o pátio se afastar e os grupinhos de estudantes tornaem-se achatados pela altura, diminuídos pela distância. Pensava ela na estupidez daqueles rótulos em que todos se encaixavam, por mais que evitassem. Aquele ali, tão tímido e pacato, poderia tanto se tornar um assassino ressentido quanto transformar-se radicalmente em um intelectual auto-confiante, quem sabe até continuar sua pecha como uma eterna maldição. Um dia ela encontrara uma amiga de infância que costumava ser atormentada pelas zombarias de todos os outros; Kátia a olhara envergonhada e desconfortável. A outra, ao contrário, parecia muito mais cheia de entusiasmo que ela, e, embora o rosto não tivesse progredido muito no quesito de aparência, não se enxergava mais ali nenhum prato de humilhações. Kátia se despediu dela como se a outra é que tivesse sido sua carrasca.
O triste era ver aqueles protótipos de pessoas idolatrando falsas verdades, falsos modelos, crendo em predestinações falíveis, vendo um futuro tão distorcido. Não podia desprezar, pois ela compreendia, mas que fazer? No futuro, veriam como nada daquilo era assim tão importante. Enxergariam quão pequenos eram os problemas daquela época, e quão mais fácil tudo se tornava depois que passava. Ah a doce ilusão do drama adolescente. Quisera ela, quisera ela nunca ter pulado o muro em busca dos bares abertos, com seus colegas todos garotos, a ensiná-la molecagens. Quisera ela um dia ter saltado mais alto, bem sob o olhar da diretora; quisera, no dia seguinte, ter pedido perdão, e se contorcido de arrependimento, e prometido toda uma vida de dedicação escolar.
Fosse o que fosse, agora ela estava em outro papel, mais confortável, embora tão tragicamente infeliz como sempre fora.
A quadra era rodeada por uma tela, através da qual dava pra ver o outro lado do pátio, e as pessoas que passassem em volta. Mariana aparecia atrás de uma trama de náilon, levemente deformada. Assim como os alunos ao redor dela. Na quadra, Marcelo acabava de entrar no jogo de basquete que se improvisava no momento. Em pouco tempo ele se integrou ao time; fazia sinais e chamava a bola, pedia o passe. Quando finalmente a recebeu, partiu da linha do meio levando-a sozinho até o final, driblando os adversários e ignorando os chamados dos aliados. Ao final, uma bela cesta. E o rapaz voltou caminhando pela quadra de braços levantados, brincando de instigar os aplausos do público. Kátia mastigava seu chiclete; não poderia aplaudir com os braços cruzados como estava. Mariana assistia indiferente.
A professora foi subindo pela escada externa, vendo o pátio se afastar e os grupinhos de estudantes tornaem-se achatados pela altura, diminuídos pela distância. Pensava ela na estupidez daqueles rótulos em que todos se encaixavam, por mais que evitassem. Aquele ali, tão tímido e pacato, poderia tanto se tornar um assassino ressentido quanto transformar-se radicalmente em um intelectual auto-confiante, quem sabe até continuar sua pecha como uma eterna maldição. Um dia ela encontrara uma amiga de infância que costumava ser atormentada pelas zombarias de todos os outros; Kátia a olhara envergonhada e desconfortável. A outra, ao contrário, parecia muito mais cheia de entusiasmo que ela, e, embora o rosto não tivesse progredido muito no quesito de aparência, não se enxergava mais ali nenhum prato de humilhações. Kátia se despediu dela como se a outra é que tivesse sido sua carrasca.
O triste era ver aqueles protótipos de pessoas idolatrando falsas verdades, falsos modelos, crendo em predestinações falíveis, vendo um futuro tão distorcido. Não podia desprezar, pois ela compreendia, mas que fazer? No futuro, veriam como nada daquilo era assim tão importante. Enxergariam quão pequenos eram os problemas daquela época, e quão mais fácil tudo se tornava depois que passava. Ah a doce ilusão do drama adolescente. Quisera ela, quisera ela nunca ter pulado o muro em busca dos bares abertos, com seus colegas todos garotos, a ensiná-la molecagens. Quisera ela um dia ter saltado mais alto, bem sob o olhar da diretora; quisera, no dia seguinte, ter pedido perdão, e se contorcido de arrependimento, e prometido toda uma vida de dedicação escolar.
Fosse o que fosse, agora ela estava em outro papel, mais confortável, embora tão tragicamente infeliz como sempre fora.
12.4.06
Cena 3 – [um tour guiado pelo colégio, a propósito de fins particulares]
A professora ..., que tinha verdadeira ojeriza por interrupções, foi obrigada a dirigir a palavra a Mariana, que vinha insistindo já há alguns minutos em sua tentativa de pedir permissão para sair da sala. “Algum motivo justo para tal?”, a professora perguntou, ao que a menina alegou o horário de seu remédio, e levantou uma cartela de comprimidinhos azuis. A professora resistiu: queria saber se Mariana estava doente de quê, já que parecia tão saudável (nisso os meninos se entreolharam em uma unânime concordância com a professora - coisa rara, diga-se de passagem). Era só um resfriado, explicou a menina, e deu uma tossidinha cínica para ilustrar a resposta. Cof cof. “Pois então – vinha o veredito da professora – a senhorita vá buscar um copo d’água e tome seu remédio aqui mesmo, para que eu possa garantir que seu resfriado será curado”. Mãos cruzadas na barriga, como símbolo da bondade da professora, em sua ânsia por ver a aluna o mais sadia possível. Tão bondosa.
- Tudo bem. – concordou a menina - Quer que eu trague um copo também para a senhora? – e Mariana exibia uma cândida e irônica expressão. Não obrigada.
Mariana sabia que:
1.A professora nem se lembraria do que tinha ordenado quando ela voltasse para a sala. Freqüentemente ela não se lembrava nem da matéria que estava dando, e ficava alguns segundos procurando no livro o assunto a continuar.
2.Se, por um milagre de São Alzheimer, a professora se lembrasse e tentasse obrigá-la a tomar o maldito remédio, Mariana já teria ido e voltado e feito o que queria fazer.
3.Ela não voltaria mesmo para a aula da professora ... naquele dia.
O corredor da sua sala era o mais escondido do segundo andar, era uma das últimas salas daquele bloco. Ali estava vazio, ninguém por perto. Andou mais um pouco, mas o corredor seguinte também não tinha ninguém. “Leo?”, ela disse, baixinho, e depois repetiu, tentando chamá-lo em tons mais altos, mas em nenhum momento ouviu resposta.
No corredor principal do segundo andar, um inspetor vinha na direção dela. Havia o álibi de não haver copos descartáveis ali por perto, apenas no refeitório. Portanto, após uma breve explicação, Mariana continuou seu caminho. Desceu as escadas olhando o pátio lá embaixo em busca de uma cabeleira ruiva. Passou pelas dezenas de jovens uniformizados, e subitamente sem rosto. Prestou atenção nos bancos, especialmente onde havia pessoas sozinhas. Chamava-lhe a atenção os meninos mais novos, das séries do outro bloco, correndo pelo pátio e em briguinhas de brincadeira. Mas ele não estava entre eles, nem na cantina, nem na parte do segundo andar que dava pra ver de lá de baixo. Nem perto da quadra. Nem em parte alguma. Mariana sentou, desolada, no banquinho de pedra decorado com azulejos brancos, do refeitório, e ficou observando as funcionárias mexerem o arroz. Depois saiu, andou mais um pouco. Finalmente, ficou sentada na arquibancada ao lado da quadra, perto apenas de pessoas que ela não conhecia. O colégio explodia de barulho bem ali ao lado; talvez ela fosse capaz de ouvir se não fosse pelo zunido bem atrás da sua nuca, que ia aos poucos cobrindo seus ouvidos e dançando valsa dentro do seu cérebro.
- Tudo bem. – concordou a menina - Quer que eu trague um copo também para a senhora? – e Mariana exibia uma cândida e irônica expressão. Não obrigada.
Mariana sabia que:
1.A professora nem se lembraria do que tinha ordenado quando ela voltasse para a sala. Freqüentemente ela não se lembrava nem da matéria que estava dando, e ficava alguns segundos procurando no livro o assunto a continuar.
2.Se, por um milagre de São Alzheimer, a professora se lembrasse e tentasse obrigá-la a tomar o maldito remédio, Mariana já teria ido e voltado e feito o que queria fazer.
3.Ela não voltaria mesmo para a aula da professora ... naquele dia.
O corredor da sua sala era o mais escondido do segundo andar, era uma das últimas salas daquele bloco. Ali estava vazio, ninguém por perto. Andou mais um pouco, mas o corredor seguinte também não tinha ninguém. “Leo?”, ela disse, baixinho, e depois repetiu, tentando chamá-lo em tons mais altos, mas em nenhum momento ouviu resposta.
No corredor principal do segundo andar, um inspetor vinha na direção dela. Havia o álibi de não haver copos descartáveis ali por perto, apenas no refeitório. Portanto, após uma breve explicação, Mariana continuou seu caminho. Desceu as escadas olhando o pátio lá embaixo em busca de uma cabeleira ruiva. Passou pelas dezenas de jovens uniformizados, e subitamente sem rosto. Prestou atenção nos bancos, especialmente onde havia pessoas sozinhas. Chamava-lhe a atenção os meninos mais novos, das séries do outro bloco, correndo pelo pátio e em briguinhas de brincadeira. Mas ele não estava entre eles, nem na cantina, nem na parte do segundo andar que dava pra ver de lá de baixo. Nem perto da quadra. Nem em parte alguma. Mariana sentou, desolada, no banquinho de pedra decorado com azulejos brancos, do refeitório, e ficou observando as funcionárias mexerem o arroz. Depois saiu, andou mais um pouco. Finalmente, ficou sentada na arquibancada ao lado da quadra, perto apenas de pessoas que ela não conhecia. O colégio explodia de barulho bem ali ao lado; talvez ela fosse capaz de ouvir se não fosse pelo zunido bem atrás da sua nuca, que ia aos poucos cobrindo seus ouvidos e dançando valsa dentro do seu cérebro.
9.4.06
Cena 2 – [mais dois personagens são apresentados, e o nada continua a acontecer ]
É uma outra sala, com suas mesmas carteiras de madeira escura, seu quadro negro com aspecto gasto, seus alunos uniformizados como pinguins, em preto e branco. As meninas de saia o mais curta possível; os meninos, abrindo a camisa para aparentar masculinidade.
O silêncio é ainda mais sepulcral – estamos em prova. Cabeças baixas, cadeiras afastadas, filas organizadas. À frente, uma mulher com aparência de quarenta anos de idade finge estar absorta em anotações, com a cumplicidade da mesa em que se apoia. Fora das vista dos alunos, ela folheia uma revista “para mulheres maduras”. Aprenda a fazer um delicioso rocambole de sorvete. Dez dicas para economizar 200 ou até 500 reais por mês. Carreira e família: como conciliar? Novo Iogurte de Frutas Vermelhas Light. Kátia suspira, cansada de informações tão relevantes.
Larga a revista no colo e enfurna o queixo nas mãos. Volta a observar os alunos. Entre as caras de preocupação e aborrecimento, só a de Marcelo se difere, sorridente. A professora até estranha tanta simpatia. Gente feliz assim, gratuitamente? Coisas estranhas acontecem. Tenta se concentrar em outros rostos, mas o garoto volta e meia a olha de novo. Kátia tenta afastar os pensamentos pedófilos da mente. Tenta parar de reparar nas pernas do rapaz (quase 18 anos, veja só...), nos seus cachos loiros propositadamente despenteados, nos ombros largos e definidos, nos... Opa. Marcelo está se afogando? Balançando os braços desesperadamente, que isso. Kátia desperta, vai atender o aluno.
- Fala - ela diz, baixinho, quase sensualmente, para não atrapalhar a prova com barulho.
O rapaz, ainda sorrindo, alega que ali está muito apertado e que não tem espaço pra esticar as pernas (Kátia naturalmente volta os olhos na direção do objeto mencionado). Sem esticar as pernas (lembre-se, olhe os olhos dele, apenas isso), ele não consegue relaxar e se concentrar na prova. Tudo bem, Marcelo, você pode mudar de lugar – e Kátia tenta sorrir também, entrar naquele clima de alegria, mas isso nela parece tão desencaixado...
Engraçado como até andando de um lado a outro da sala o rapaz parece um dos poucos mortais naturalmente felizes da espécie humana. Suspiro de inveja.
***
O silêncio é ainda mais sepulcral – estamos em prova. Cabeças baixas, cadeiras afastadas, filas organizadas. À frente, uma mulher com aparência de quarenta anos de idade finge estar absorta em anotações, com a cumplicidade da mesa em que se apoia. Fora das vista dos alunos, ela folheia uma revista “para mulheres maduras”. Aprenda a fazer um delicioso rocambole de sorvete. Dez dicas para economizar 200 ou até 500 reais por mês. Carreira e família: como conciliar? Novo Iogurte de Frutas Vermelhas Light. Kátia suspira, cansada de informações tão relevantes.
Larga a revista no colo e enfurna o queixo nas mãos. Volta a observar os alunos. Entre as caras de preocupação e aborrecimento, só a de Marcelo se difere, sorridente. A professora até estranha tanta simpatia. Gente feliz assim, gratuitamente? Coisas estranhas acontecem. Tenta se concentrar em outros rostos, mas o garoto volta e meia a olha de novo. Kátia tenta afastar os pensamentos pedófilos da mente. Tenta parar de reparar nas pernas do rapaz (quase 18 anos, veja só...), nos seus cachos loiros propositadamente despenteados, nos ombros largos e definidos, nos... Opa. Marcelo está se afogando? Balançando os braços desesperadamente, que isso. Kátia desperta, vai atender o aluno.
- Fala - ela diz, baixinho, quase sensualmente, para não atrapalhar a prova com barulho.
O rapaz, ainda sorrindo, alega que ali está muito apertado e que não tem espaço pra esticar as pernas (Kátia naturalmente volta os olhos na direção do objeto mencionado). Sem esticar as pernas (lembre-se, olhe os olhos dele, apenas isso), ele não consegue relaxar e se concentrar na prova. Tudo bem, Marcelo, você pode mudar de lugar – e Kátia tenta sorrir também, entrar naquele clima de alegria, mas isso nela parece tão desencaixado...
Engraçado como até andando de um lado a outro da sala o rapaz parece um dos poucos mortais naturalmente felizes da espécie humana. Suspiro de inveja.
***
2.4.06
Garotas, cruzem as pernas e ajeitem a franja
Cena 1 - [apresentação de nossos queridos meninos e meninas, e sugestões vagas do possível assunto a ser abordado por este texto inútil]
“Tédio, sempre presente companheiro, sentado ao fundo da sala, a nos contemplar com seu olhar pedante”
Essa era a inscrição que flutuava acima da cabeça mal penteada da professora ..., resultado de um consenso implícito entre os colegiais do ... Pois olhem para trás, garotos, e verão o indesejado companheiro, em vez de apenas instalar-se ao fundo assistindo todas as aulas sem precisar fazer provas, passeando entre as carteiras, distribuindo acenos e beliscões, que mal acordavam as mentes desatentas (“ai, sai, não enche!”).
Para um colégio não muito rico, os ventiladores bastavam. Eram eles que se ocupavam de manter algum ruído presente na sala além da voz pouco agradável da professora .... Em outras aulas, o burburinho tomava conta, às vezes os alunos chegavam a participar das aulas, como a da professora Kátia. Mas essa... essa não. Essa nem dava vontade de falar. Como naqueles dias mais quentes do verão, tão quentes que derretiam a pele, os sorvetes de chocolate, e a animação para fazer qualquer coisa além de se refestelar no ar condicionado.
Sigamos o Sr. Tédio, em seu passeio sarcástico pela sala. À frente, temos nossos exemplares de nerds, feiosos e tão esforçados; alguns até mesmo inteligentes. Na segunda fileira, bem afastada dos da frente, para evitar o contágio, exemplares insossos: uma garota roendo a bic; uma outra de boca aberta, quase a babar, tentando se enganar de que está prestando atenção no quadro; uma terceira, incrivelmente gorda, mentalmente fazendo contas – todas erradas - de quantas calorias ingeriu até o momento, e se vai poder engolir as balinhas que sobraram do dia anterior; finalmente um espécime masculino, com um sorriso besta no rosto, que me recuso a explorar seu significado – não pode ser algo lá muito bom mesmo. Outros alunos terminam a fileira sem muita glória. Pulemos a terceira, que mais parece uma cópia alternada da segunda. A quarta: grupinhos de meninas à esquerda, uma dormindo no ombro da outra, e de meninos à direita, nenhum se encostando no ombro do outro não, só tocando de vez em quando para alguma agressão ocasional – fraca, diga-se de passagem, pois não há ânimo para briguinhas na presença da professora.... Quinta fileira, ei-la, portanto: o insigne trio, digno de ser nomeado – Luiza, Bianca e Mariana.
Luiza querida, olhe para a câmera, dê uma piscadinha charmosa. Percebem? Ela é irresistível. Aos 16 anos, coleciona três ex-namorados e dois atuais (calma Luiza, não revelaremos os nomes). Tem pintas estratégicas ao longo do corpo. Sofre de indisposição ao acordar. Ontem mesmo aparou as pontas do cabelo loiro, e aproveitou para retocar a tintura. Nada muito artificial, claro. Não sei de onde tirou essa mania de sempre pender a cabeça, de um lado para o outro, enquanto observa os outros. Morde os lábios com freqüência. Odeia a cor azul. Faz escova na franja, o que a obriga a acordar dez minutos antes, e a sopra pra cima a todo momento. Agora mesmo, por exemplo, lá vai a mecha de cabelo subindo displicentemente, sob o olhar da dona, com a nuca recostada na cadeira, e volta novamente a cobrir os cílios da menina. Ela sorri vagamente, cega pela franja, e continua a soprar. Por dois segundos ela enxerga o teto; depois, novamente um clarão amarelo cobre-lhe os olhos.
Bianca é a morena do trio (insira aqui sua piadinha infame sobre a relação entre cor de cabelo e capacidade mental). Hiperativa, à primeira vista. Tamborila os dedos, torce o pescoço em todas as direções, confere as horas, puxa assunto com as outras - sem muito sucesso -, brinca a distância com os garotos bonitos da sala, com sorrisinhos e sinais. A mãe dela tem apenas 35 anos, e acabou de fazer uma cirurgia plástica, o que gerou assunto por uma semana entre a ala masculina da classe. O pai dela usa marca-passo desde a adolescência. O psicólogo dela tenta há meses fazê-la falar algo de dramático sobre a vida. Bianca acaba de completar a página do livro com linhas escritas seu próprio nome. BiancaBiancaBiancaBiancaBianca. Suspiro de resignação.
Mariana, também loira, descendente de brasileiros, concebida em um laboratório (seu pai é médico, e casou-se com sua secretária). Felizmente, ela consegue dispensa para as aulas de educação física, o que lhe permite passar mais tempo passeando pelos corredores, com o namorado ou com o vizinho dele – um menino de apenas 11 anos, ruivo e simpático, que não gosta quando os dois fingem serem seus pais. Umas duas vezes ela passou o tempo da educação física sentada na biblioteca, tentando decidir se acreditava em Deus e fingindo que lia Édipo Rei. Outras, ficou recostada na grade da quadra, tentando se convencer de que a escola era um lugar divertido de se estar, cheio de amigos ao redor, e atividades interessantes pra se fazer. Outras, ainda, ela sentou no degrau atrás do refeitório e ficou contando o tempo, reiniciando a contagem de três em três minutos. No exato momento, o seu rosto é de uma seriedade comovente. Olha a professora, mas não presta atenção. Às vezes anota algumas frases soltas no caderno. “E de repente fez-se a luz, e ela era...”. “O Romantismo surgiu como uma forma de...”. “Os Sofrimentos do Jovem Werther, condenado pelo público da época por...”.
Atrás delas, uma fileira de garotos bagunceiros, iludidos por acharem que não são os últimos da sala – o Sr. Tédio, agora, acaba de cutucar os nerds da primeira fila, gerando um bocejo bem vagaroso em um deles.
Luiza pisca os olhos, de cabeça baixa, olhando o espaço de ar acima da inscrição.
Bianca rói as unhas, depois repara se estragou o esmalte.
Mariana continua de braços cruzados. Acredita ter visto alguém passar pela porta, à direita. Ela vira o rosto, atenta, e o verde dos seus olhos escurece um pouco, mas ela só vê a parede do outro lado do corredor. Volta-se para a frente. O seu perfil de traços bem definidos, com um quê de adulto. Enquanto ela não vê, o flash de uma cabeça ruiva passa pelo vidro da porta, e logo some. Reaparece, e some novamente. Mariana se vira, a tempo de ver o topo de uma cabecinha, alguém aparentemente se esticando para alcançar o vidro, e os olhos se infiltrando na sala, em direção à menina. Ela o reconhece, e sorri para ele. Rapidamente o seu rosto se enche de luz, e a sua beleza realça. Mas ele não sorri de volta, e desaparece no corredor.
***
“Tédio, sempre presente companheiro, sentado ao fundo da sala, a nos contemplar com seu olhar pedante”
Essa era a inscrição que flutuava acima da cabeça mal penteada da professora ..., resultado de um consenso implícito entre os colegiais do ... Pois olhem para trás, garotos, e verão o indesejado companheiro, em vez de apenas instalar-se ao fundo assistindo todas as aulas sem precisar fazer provas, passeando entre as carteiras, distribuindo acenos e beliscões, que mal acordavam as mentes desatentas (“ai, sai, não enche!”).
Para um colégio não muito rico, os ventiladores bastavam. Eram eles que se ocupavam de manter algum ruído presente na sala além da voz pouco agradável da professora .... Em outras aulas, o burburinho tomava conta, às vezes os alunos chegavam a participar das aulas, como a da professora Kátia. Mas essa... essa não. Essa nem dava vontade de falar. Como naqueles dias mais quentes do verão, tão quentes que derretiam a pele, os sorvetes de chocolate, e a animação para fazer qualquer coisa além de se refestelar no ar condicionado.
Sigamos o Sr. Tédio, em seu passeio sarcástico pela sala. À frente, temos nossos exemplares de nerds, feiosos e tão esforçados; alguns até mesmo inteligentes. Na segunda fileira, bem afastada dos da frente, para evitar o contágio, exemplares insossos: uma garota roendo a bic; uma outra de boca aberta, quase a babar, tentando se enganar de que está prestando atenção no quadro; uma terceira, incrivelmente gorda, mentalmente fazendo contas – todas erradas - de quantas calorias ingeriu até o momento, e se vai poder engolir as balinhas que sobraram do dia anterior; finalmente um espécime masculino, com um sorriso besta no rosto, que me recuso a explorar seu significado – não pode ser algo lá muito bom mesmo. Outros alunos terminam a fileira sem muita glória. Pulemos a terceira, que mais parece uma cópia alternada da segunda. A quarta: grupinhos de meninas à esquerda, uma dormindo no ombro da outra, e de meninos à direita, nenhum se encostando no ombro do outro não, só tocando de vez em quando para alguma agressão ocasional – fraca, diga-se de passagem, pois não há ânimo para briguinhas na presença da professora.... Quinta fileira, ei-la, portanto: o insigne trio, digno de ser nomeado – Luiza, Bianca e Mariana.
Luiza querida, olhe para a câmera, dê uma piscadinha charmosa. Percebem? Ela é irresistível. Aos 16 anos, coleciona três ex-namorados e dois atuais (calma Luiza, não revelaremos os nomes). Tem pintas estratégicas ao longo do corpo. Sofre de indisposição ao acordar. Ontem mesmo aparou as pontas do cabelo loiro, e aproveitou para retocar a tintura. Nada muito artificial, claro. Não sei de onde tirou essa mania de sempre pender a cabeça, de um lado para o outro, enquanto observa os outros. Morde os lábios com freqüência. Odeia a cor azul. Faz escova na franja, o que a obriga a acordar dez minutos antes, e a sopra pra cima a todo momento. Agora mesmo, por exemplo, lá vai a mecha de cabelo subindo displicentemente, sob o olhar da dona, com a nuca recostada na cadeira, e volta novamente a cobrir os cílios da menina. Ela sorri vagamente, cega pela franja, e continua a soprar. Por dois segundos ela enxerga o teto; depois, novamente um clarão amarelo cobre-lhe os olhos.
Bianca é a morena do trio (insira aqui sua piadinha infame sobre a relação entre cor de cabelo e capacidade mental). Hiperativa, à primeira vista. Tamborila os dedos, torce o pescoço em todas as direções, confere as horas, puxa assunto com as outras - sem muito sucesso -, brinca a distância com os garotos bonitos da sala, com sorrisinhos e sinais. A mãe dela tem apenas 35 anos, e acabou de fazer uma cirurgia plástica, o que gerou assunto por uma semana entre a ala masculina da classe. O pai dela usa marca-passo desde a adolescência. O psicólogo dela tenta há meses fazê-la falar algo de dramático sobre a vida. Bianca acaba de completar a página do livro com linhas escritas seu próprio nome. BiancaBiancaBiancaBiancaBianca. Suspiro de resignação.
Mariana, também loira, descendente de brasileiros, concebida em um laboratório (seu pai é médico, e casou-se com sua secretária). Felizmente, ela consegue dispensa para as aulas de educação física, o que lhe permite passar mais tempo passeando pelos corredores, com o namorado ou com o vizinho dele – um menino de apenas 11 anos, ruivo e simpático, que não gosta quando os dois fingem serem seus pais. Umas duas vezes ela passou o tempo da educação física sentada na biblioteca, tentando decidir se acreditava em Deus e fingindo que lia Édipo Rei. Outras, ficou recostada na grade da quadra, tentando se convencer de que a escola era um lugar divertido de se estar, cheio de amigos ao redor, e atividades interessantes pra se fazer. Outras, ainda, ela sentou no degrau atrás do refeitório e ficou contando o tempo, reiniciando a contagem de três em três minutos. No exato momento, o seu rosto é de uma seriedade comovente. Olha a professora, mas não presta atenção. Às vezes anota algumas frases soltas no caderno. “E de repente fez-se a luz, e ela era...”. “O Romantismo surgiu como uma forma de...”. “Os Sofrimentos do Jovem Werther, condenado pelo público da época por...”.
Atrás delas, uma fileira de garotos bagunceiros, iludidos por acharem que não são os últimos da sala – o Sr. Tédio, agora, acaba de cutucar os nerds da primeira fila, gerando um bocejo bem vagaroso em um deles.
Luiza pisca os olhos, de cabeça baixa, olhando o espaço de ar acima da inscrição.
Bianca rói as unhas, depois repara se estragou o esmalte.
Mariana continua de braços cruzados. Acredita ter visto alguém passar pela porta, à direita. Ela vira o rosto, atenta, e o verde dos seus olhos escurece um pouco, mas ela só vê a parede do outro lado do corredor. Volta-se para a frente. O seu perfil de traços bem definidos, com um quê de adulto. Enquanto ela não vê, o flash de uma cabeça ruiva passa pelo vidro da porta, e logo some. Reaparece, e some novamente. Mariana se vira, a tempo de ver o topo de uma cabecinha, alguém aparentemente se esticando para alcançar o vidro, e os olhos se infiltrando na sala, em direção à menina. Ela o reconhece, e sorri para ele. Rapidamente o seu rosto se enche de luz, e a sua beleza realça. Mas ele não sorri de volta, e desaparece no corredor.
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