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9.5.06

Cena 7 – [ uma visita; e uma suspeita ]

Estamos agora dentro de uma casa nunca antes visitada. É bem verdade que nenhuma casa serviu de cenário para alguma cena até o momento; mas, fora isso, o leitor talvez indague quem seria esse homem de aparência franzina ocupado em abrir uma lata de salsichas em conserva.

A casa por dentro é desarrumada já à primeira visita; talvez não haja mesmo preocupação em causar uma boa primeira impressão. A própria dona da casa, que esfrega o pano de prato enquanto espera o marido terminar a árdua tarefa de abrir a latinha – coisa em que ele parece não estar sendo muito bem sucedido -, não parece muito vaidosa, com os cabelos desgrenhados e um blusão que pouco favorece a silhueta. Ao redor, móveis de madeira de várias cores, e objetos que não combinam em nada uns com os outros.

Ao som da campainha, o marido aproveita a oportunidade de se ver livre de confessar o fracasso na maldita lata de salsichas, e vai atender, triunfante. Atravessa a sala, com seus sofás cheios de roupas amassadas por cima, e uma TV ligada em volume de mosquito, zunindo pela sala como um som ambiente.

Do lado de fora está uma menina de cabelos dourados, com os olhos apertados por causa da excessiva claridade, e atraindo para si todos os raios solares da atmosfera. Os reflexos sobre ela formam quase uma aura, para os mais adeptos admiradores. Está vestida da forma mais comum possível, o que só faz destacar um corpo adolescente que não precisa de apetrecho nenhum para parecer desejável.

Depois de uns momentos de constrangimento, ela finalmente diz um “oi” meio sem graça, levantado a mão num aceno pouco disposto.

- Oi Mariana – responde o dono da casa -. Quanto tempo.

A frase, apesar de aparentemente amigável, não foi pronunciada com um tom muito simpático. Não exatamente antipático, mas frio. Principalmente porque ele continua parado na porta, sem sorrir nem chamá-la pra entrar.

- Bom, eu... eu queria saber do Leo...não tenho conseguido falar com ele esses dias...

Vale comentar que, não por coincidência, o menininho de cabelos ruivos conhecido como Leo morava ao lado do menino de cabelos cacheados e sorridente da vida chamado Marcelo. Essa observação foi rapidamente citada na primeira cena, mas como estamos já um pouco avançados no texto, é bem provável que o leitor tenha esquecido fato aparentemente tão irrelevante. Eu poderia voltar no tempo e, em um recurso de flashback, mostrar Mariana afeiçoando-se ao vizinho do namorado como a um irmão mais novo; poderia mostrá-los conversando, os 3, na calçada, ou junto do murinho que separa as duas casas. Poderia quem sabe citar alguns trechos de conversa que fizeram Mariana se afeiçoar tanto a ele, e ele tanto a ela, e talvez insinuar, por uma frase ou outra, o quê de dentificação que surgiu entre os dois, por uma simples questão de os dois se sentirem tão desencaixados no mundo.

Assim, às vezes, enquanto um monte de garotos lutava por um minuto da atenção dela, ela passava horas e horas brincando com um simples pirralhinho ruivo de sardas e óculos e carinha de nerd.

Coisas improváveis acontecem.

Mas voltemos. O dono da casa – ok, poderíamos chamá-lo Augusto, por falta de coisa melhor -, antes de responder, ouve sua mulher perguntar de lá de dentro quem tocou a campainha. “Já atendi, querida”, ele responde, e volta-se novamente para Mariana:

- Olha, ele nem está em casa. Deve ter ido pra casa de algum coleguinha. – e ele dá um sorriso amarelo, enquanto Mariana continua séria à sua frente.

A mulher avança pela sala, esgueirando-se atrás da poltrona para ver quem está lá fora. “Oi Mariana!”, ela diz, logo que avista a menina, e abre um sorriso acolhedor.

Mas Augusto continua parado como um goleiro barrando a porta, e, sem dizer nada, acaba levando a menina a despedir-se e ir embora. Quando ela se vira, o sorriso amarelo dele se desfaz de uma vez.

Novamente na cozinha, a lutar com a lata de salsichas, ouve a mulher questionar:

- Não entendi por que você disse que o Leonardo não estava, querido. A menina é amiga dele, o que te deu?

Augusto trava os dentes, tenta parecer natural; ainda sem tirar os olhos da lata, alega que de qualquer forma não ia adiantar dizer que ele estava; que de qualquer forma ele não ia descer daquele maldito quarto; que ele não saía de lá há dias, só saía pra ir ao colégio, e que era melhor deixar ele em paz.

- Pois eu acho que ele iria descer.

Ele não responde.

- Você sabe muito bem que ele gosta dela! Um monte de vezes foi ela que ajudou ele a se animar um pouquinho, você nem se importa se está acontecendo alguma coisa, não é mesmo?
- Ele é só uma criança. Problemas de criança, só isso. Tudo passa. Mais rápido do que você pensa.
- Não gostei nada de você ter mentido pra ela.
- Ele não ia descer, eu te garanto.
- Pois eu acho que ia sim!
- Pois então você atende a porta da próxima vez e pára de me encher o saco com suas opiniões idiotas!

A frase foi proferida em um tom mais alto, e terminou aos berros e com a lata de salsicha se esparramando no chão. Augusto saiu da cozinha, e de casa, e foi tentar esquecer um pouco da própria culpa. No fundo, ele continuava a achar que os outros não entenderiam que ele só estava tentando evitar problemas. Só estava tentando evitar aquelas imagens e aqueles pensamentos que o perseguiam sempre que ela passava algum tempo dentro da casa deles, com toda a sua inocência, a despertar desejos indevidos.